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Artigo – Zelar pelo “bem” do cliente é mais do que obrigação

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Por Fernando Landulfo

Se você não é advogado, quer ficar com fama de chato junto aos amigos e colegas de profissão? Fácil, basta citar leis e regulamentos quando um assunto qualquer começa a ser discutido. Muito provavelmente você vai ganhar a discussão. Mas não estranhe se, em muito pouco tempo, as “rodinhas” de bate-papo dispersarem quando você se aproximar. Numa segunda fase, os convites para os eventos começam a minguar.

Pois é, se há algo que aborrece o “Guerreiro das Oficinas” é “papo jurídico”. E não é por menos: na grande maioria dos casos, quando uma pessoa entra em contato com uma oficina usando termos jurídicos e não é cliente ou amigo da casa: ou veio solucionar ou causar um grande problema. Em ambos os casos as “sangrias” no caixa costumam ser pesadas. Sim, é verdade, aquela enxurrada de números de leis, artigos e parágrafos costuma dar frio na espinha de qualquer um.

Mas quando o assunto é polêmico, controverso e envolve sérios riscos para o mecânico e o seu negócio, não há melhor forma de sensibilização do que a fria e dura exposição da lei. E o assunto tratado hoje é dos mais críticos: a responsabilidade e o cuidado com o veículo do cliente dentro da oficina.
Pois bem, em primeiro lugar é preciso deixar bem claro que a partir do momento em que o veículo é recebido oficialmente, seja pela abertura da ordem de serviço ou pela ficha de inspeção e recebimento, a empresa passa a ser o “depositário” deste bem. Nesse caso, os artigos 629 e 640 do Código Civil brasileiro (Lei 10.406/2002) dizem o seguinte sobre os deveres do depositário:

• Art. 629. O depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante.

• Art. 640. Sob pena de responder por perdas e danos, não poderá o depositário, sem licença expressa do depositante, servir-se da coisa depositada, nem a dar em depósito a outrem.

Parágrafo único. Se o depositário, devidamente autorizado, confiar a coisa em depósito a terceiro, será responsável se agiu com culpa na escolha deste.

Nesse ponto, é também muito importante mencionar que a prestação de serviços de reparação é uma relação de consumo regulamentada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 9078/90):

• Art. 3. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Ou seja: está mais do que claro que a oficina é totalmente responsável por zelar pelo “bem estar” desses veículos. E não adianta tentar se eximir desta responsabilidade por meio de avisos ou formulários de isenção de responsabilidade. A elaboração de qualquer termo de isenção não produzirá efeitos jurídicos, pois o Código de Defesa do Consumidor, no seu artigo 25, proíbe qualquer cláusula de exoneração de responsabilidade do prestador de serviço:

• Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

Isso sem falar no artigo 927 do Código Civil que diz o seguinte:

• Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

• Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

• Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

No entanto:

• Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

Pois bem, estando mais do que clara a responsabilidade da oficina sobre o veículo do cliente resta à questão sobre os objetos deixados no interior do carro. Nesse ponto extremamente controverso, como a legislação não trata explicitamente sobre o assunto, as decisões dos juízes variam de acordo com a situação e as evidências apresentadas.

Mas venhamos e convenhamos: o verdadeiro “Guerreiro das Oficinas”, aquele profissional dedicado que tem verdadeira paixão por automóvel e um profundo apego pelo seu cliente, não precisa ser pressionado pela legislação para cuidar bem desses veículos. Isso já está profundamente impresso no seu interior. Como empresário, ele encara essa prática como um diferencial no atendimento. Mas como técnico, ele tem verdadeiro prazer em ver os veículos que estão sob seus cuidados sendo muito bem “tratados”. E para isso ele adota procedimentos simples, que fazem o cliente dar aquele sorriso especial quando recebe de volta seu precioso veículo e recomendam de “boca cheia” os serviços da oficina a amigos e parentes:

1) Jamais trata de forma diferenciada carros novos de velhos, importados de nacionais. Todos recebem o mesmo grau de atenção e dedicação;

2) Protege o interior do veículo, assim que entra na oficina, usando materiais como filme plástico para revestir o volante e a manopla do câmbio;

3) Protege os bancos do veículo com uma capa para não sujar com graxa da roupa quando sentar no carro;

4) Entrega o carro sempre limpo (externa e internamente) e desodorizado;

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5) Atenta a detalhes como portas sem lubrificação e parafusos soltos que podem ser facilmente corrigidos, sem aumento de custo operacional, mas que mostram uma atenção especial com o veículo;

6) Deixa bem à vista que a empresa possui seguro de responsabilidade civil, furto e roubo sobre os veículos que estão sob “guarda” da oficina. Lembre-se: essa é uma despesa que vale a pena. Afinal de contas, além de transmitir tranquilidade ao cliente, poupa gastos maiores e um desgaste na relação com o cliente se algo inesperado ocorrer;

7) Deixa bem explicitado que os veículos deixados para serviço são guardados dentro da oficina ou em um estacionamento fechado. E lembre-se: nada de deixar carro na rua. Se não há espaço suficiente, não receba o veículo;

8) Deixa explicitado que os testes de rua ocorrem em trajetos previamente definidos, utilizando a “placa verde” (coberta por seguro) e com identificação apropriada nas laterais do veículo (“VEÍCULO EM TESTE”).

Não deixe de tomar algumas precauções:

1) Jamais empreste carro de cliente ou o utilize para fins particulares ou serviços da empresa.

2) Ao dar entrada no veículo, faça uma inspeção minuciosa, mas discreta, à procura de danos. Preencha o formulário específico, que deve ser assinado pelo cliente.

3) Recolha cuidadosamente e entregue ao cliente em uma sacola apropriada todos os objetos que estiverem no interior do veículo. Não se esqueça de verificar o interior do porta-malas, assim como, a presença do estepe, macaco, chave de rodas e triângulo.

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