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Novas regras da Formula 1 apontam para a sustentabilidade

Longe da atual realidade da indústria, a F-1 quer se encontrar com o futuro do automóvel urbano para atrair novos investimentos e justificar sua existência aliando interesses esportivos aos econômicos.

Fernando Lalli

A fama da Fórmula 1 como desenvolvedora de tecnologia para os carros de rua não se justifica há muito tempo. Desde a proibição da eletrônica embarcada nos anos 90, não houve nenhuma grande solução utilizada em corrida que tenha sido levada para o dia-a-dia de quem depende de veículos comuns. Até mesmo a principal novidade técnica da F-1 nestes últimos anos, o Kers (dispositivo de reaproveitamento de energia), era uma ideia já utilizada pela indústria antes de ir para a categoria máxima do automobilismo.

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As continuadas limitações impostas pelas regras e a crise econômica de 2009 acabaram com o interesse da maioria das montadoras envolvidas até então na F-1. Em menos de dois anos, BMW, Honda, Toyota e Renault fecharam seus times oficiais e venderam seu espólio – hoje, a atual equipe Renault não tem nenhuma participação da empresa que a batiza. Esse movimento é reflexo da atual distância entre as necessidades de desenvolvimento técnico da indústria automotiva e a busca pela vitória nas pistas. Aliar os interesses econômicos aos esportivos é o desafio que a Fórmula 1 enfrenta não só para se manter relevante, mas também para continuar existindo.

Novidades para 2011, como a volta dos pneus Pirelli e os ainda misteriosos aerofólios traseiros móveis, podem ser decisivas durante as corridas, assim como a volta do Kers. Mas, desta vez, a FIA (Federação Internacional de Automobilismo) parece estar começando a direcionar seu foco para o futuro da categoria ao invés de perder tempo ignorando que a categoria corre risco, sim, ainda, de ficar totalmente inviável por conta de seus custos absurdos e a debandada dos grandes investidores. Agora, é a vez da Fórmula 1 se colocar à serviço da sustentabilidade – e, quem sabe, se tornar o laboratório de soluções das montadoras para os carros de rua desta nova década.

Trampolim para 2013
Em dezembro último, a FIA divulgou uma nota com as novas medidas esportivas e técnicas a serem adotadas a partir de 2011. Para este ano, as principais mudanças técnicas que vão se refletir no futuro da categoria são uma espécie de viabilização da volta do Kers – que nunca foi proibido pela FIA, mas descontinuado em comum acordo entre as equipes.

De uso opcional, o Kers (de “Kinetic Energy Recovery System” ou “Sistema de Recuperação de Energia Cinética”) converte a energia gerada pelo calor dos freios em eletricidade e armazena-a em baterias elétricas, reaproveitando depois essa energia em forma de potência para o motor. O Kers que será utilizado em 2011 e 2012 terá as mesmas características de sua primeira (e controversa) aparição em 2009: o piloto terá à disposição 60 kW (ou 80 cv) durante 6,6s a cada volta, uma espécie de “boost” que pode ser usado de uma vez ou em diversas partes durante a volta.6828

O principal problema do Kers é o peso acumulado das baterias, que em 2009 deu um nó na cabeça dos engenheiros sobre como manter o equilíbrio de um carro tão leve e potente com tanta massa concentrada em um mesmo ponto. Por isso, algumas equipes deixaram de adotar o dispositivo em favor de um carro mais equilibrado – enquanto outras, como a Ferrari, insistiam e sofriam para conseguir um acerto ideal. Mas para este ano, a FIA determinou mais uma vez o aumento do peso mínimo do carro, de 605 kg em 2009 para 640 kg, além de fixar a distribuição de peso: 45% na frente e 55% na traseira. Com o carro mais pesado e menos possibilidades de acerto, praticamente acabam as vantagens de quem não usa o dispositivo.

A volta do Kers é o primeiro passo para a revolução que virá em 2013. A FIA anunciou que os motores mudarão radicalmente: dos atuais 2,4 litros e 8 cilindros, ele diminuirá para 1,6 litros e 6 cilindros em V, com limite de giros em 15 mil rpm e injeção de combustível a alta pressão – e, possivelmente, turbinado. De acordo com a FIA, esses motores consumirão 35% menos combustível, além de contar com sistemas aperfeiçoados de recuperação de energia, como o Kers, mas com um papel muito mais importante, já que a FIA garantiu que a atual performance dos carros não diminuirá.

A proposta radical gerou reações negativas de muita gente. O presidente da Ferrari, Luca di Montezemolo, declarou que um motor de quatro cilindros “não faz sentido” para a scuderia de Maranello, e que fará de tudo para barrar essa mudança no regulamento. O chefe da FOM (Fórmula One Mangenement), Bernie Ecclestone, que detém os direitos comerciais sobre a categoria, teme pela perda do “som característico dos motores V8” usados atualmente. Porém, o que parecem argumentos razoáveis caem por terra quando se considera que a Fórmula 1 usou motores de 4 cilindros e 1,5 litros na “era turbo” dos anos 80. E ninguém reclamava do barulho ou de falta de potência: muito pelo contrário, foi nos anos 80 que surgiram os motores mais potentes da categoria, quando as unidades de treino, que duravam poucas voltas, atingiam mais de 1.000 cavalos, enquanto os motores atuais desenvolvem por volta de 720 cv.

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Não é coincidência que a configuração do futuro motor da F-1 esteja bem próxima das mais comuns que todos nós vemos no dia-a-dia. Entre as montadoras envolvidas no estudo das novas tecnologias pela FIA está a Volkswagen, que nem está na categoria, mas há tempos é sondada pelos dirigentes. Além dos alemães, a adoção desse 1.6 de 4 cilindros com Kers (e outros sistemas de reaproveitamento de energia) já atraiu a atenção da Honda. De acordo com a revista inglesa Autosport, a recuperação econômica da montadora japonesa e a filosofia “verde” das novas regras podem levar  a marca de volta às pistas. Nunca é demais lembrar as campanhas ecológicas que os japoneses fizeram em seus carros de 2007 e 2008 – ainda que a perspectiva aponte que os carros de 2013 não sejam tão lentos quanto os que fizeram Rubens Barrichello e Jenson Button sofrer no fundo do grid…

Durabilidade com o mesmo desempenho
O desenvolvimento de uma especificação completamente nova de motor vai na contramão do corte de gastos que a FIA vem impondo às equipes – projetar um motor do zero custa mais do que uma temporada completa de uma equipe média. Mas exatamente aí parece estar o pulo-do-gato: a grande maioria das equipes compra motores ao invés de fabricá-los. Ou seja, quem vai arcar (ou, pelo menos, quem a FIA espera que arque) com a pesquisa e desenvolvimento das novas tecnologias são as montadoras – por isso o empenho da FIA em envolver empresas do tamanho da Volkswagen – ou produtoras independentes.

Às equipes, resta o desenvolvimento do chassi, que cada vez mais segue por uma linha mais rígida de durabilidade. Para 2011, a FIA determinou que as caixas de câmbio terão que fazer cinco corridas consecutivas, sem troca. E, no carro de Fórmula 1, o câmbio é peça importantíssima por estar intimamente ligado à rigidez e equilíbrio, já que sua carcaça faz parte da estrutura do chassi e, ainda, sustenta toda a suspensão traseira em si.

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Os motores continuam limitados a oito por piloto durante a temporada, podendo ser usados da forma que ele quiser, desde que não exceda o número de unidades. Mas a partir de 2013, serão permitidos cinco motores por temporada e, em 2014, apenas quatro. Além de econômicos e render o mesmo desempenho que os atuais V8, os novos motores terão que ser, no mínimo, duas vezes mais resistentes.

Antes disso, já a partir de 2012, o combustível utilizado vai conter mais compostos feitos a partir de biomassa – em português, a gasolina terá mais mistura de combustíveis de fontes renováveis de energia. Hoje, já é utilizada uma mistura de cerca de 5% de combustível renovável, entretanto a FIA não especificou de quanto será o aumento. Sem contar esse número, uma coisa já ficou clara: para alívio dos puristas, os motores à combustão vão continuar por um bom tempo, mas veremos a gasolina em decadência. E a importância dos dispositivos elétricos só vai crescer.

Há quem reclame que o regulamento desportivo da categoria muda demais de ano para ano, não dando tempo para que o espectador se acostume às características das corridas. Mas, desta vez, o movimento vem de fora para dentro: o mundo pede novas tecnologias. E a Fórmula 1, mesmo sob os narizes torcidos de alguns, está se propondo mais uma vez a ser o berço das futuras soluções que vamos usar nos carros de rua. E, finalmente, voltar a fazer jus à fama de vanguarda do automobilismo. Uma categoria “verde”, que a própria sociedade, dentro e fora da indústria automobilística, demanda.

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