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Competição: Força das estradas para as pistas

Saiba como um caminhão Mercedes-Benz Actros se transforma em um veículo de competição que pode atingir 1.250 cv de potência

texto e fotos Fernando Lalli

 

Olhando para a foto acima, é difícil acreditar que são o mesmo caminhão. Ou quase o mesmo. O Mercedes-Benz Actros e sua versão de pista usada na Copa Truck compartilham muito mais peças do que se imagina. Porém, ao invés do caminhão ser produzido na linha de São Bernardo do Campo/SP, o chassi, motor, câmbio e demais peças são comprados separadamente pela AM Motorsports, equipe da Copa Truck com apoio oficial da marca da estrela de três pontas. O caminhão de competição é montado na sede da equipe, peça por peça, em cima de uma balança para garantir o equilíbrio de peso em cada roda – algo primordial para um veículo de competição.

 

“É um processo artesanal”, afirma o engenheiro Franz Kurd Schmidt, res- ponsável por toda a eletrônica dos caminhões da equipe. “Procuramos fazer sempre o que o regulamento permite para atingir o máximo de desempenho e performance do caminhão”, declara Franz. As modificações mecânicas obedecem ao regulamento técnico da Copa Truck, nova categoria nacional de caminhões homologada no ano de 2017. Em linhas gerais, é muito parecido com o da antiga Fórmula Truck, disputada regularmente entre 1996 e 2017.

 

NO LIMITE DO REGULAMENTO

 

A diferença mais evidente entre o Actros estradeiro e o da Copa Truck são as dimensões externas. Com a redução da cabine e o trabalho na suspensão, o Actros encolhe de 3,75 metros para 2,33 m. Se somado o aerofólio sobre a cabine, vai a 2,68 m. O caminhão de corrida tem altura ao solo igual ou menor que a de muitos automóveis leves: a distância mínima do cárter do motor ao solo, pelo regulamento, é de 120 mm (tolerância de 20 mm).

 

Actros de competição tem radiador exclusivo para óleo da direção hidráulica

 

 

Para posicionar o motor mais abaixo e diminuir o centro de gravidade, a equipe optou pelo cárter usado na aplicação do motor para ônibus, que é mais largo e estreito do que o usado no caminhão. “Quanto mais baixo, mais desempenho e melhor para competição”, reforça Franz. A suspensão é toda modificada, mas também segue regras para não perder originalidade, como o eixo dianteiro rígido original, alterado para suportar o ângulo de câmber máximo permitido. As molas dianteiras e traseiras são características do caminhão, mas os amortecedores são de competição. Os sistemas de freio tem os balões de ar e de água posicionados de modo a ajudar no equilíbrio do Actros de pista. Franz explica que o caminhão de série tem um circuito de ar pressurizado a 10 bar, que alimenta os freios dianteiros e traseiros – e o freio de mão trava as rodas quando a pressão é insuficiente. Já na versão de corrida, como não pode ficar dependente de “fazer ar” para destravar as rodas, há circuitos separados de ar para a dianteira (100% de pressão) e traseira (regulável de acordo com a sensibilidade do piloto para maior equilíbrio na frenagem), além do freio de mão. Se os freios são absurdamente exigidos e não podem falhar nas corridas, a direção também sofre bastante. Por isso, alguns caminhões andam com reservatórios transparentes para melhor observação do nível do óleo do sistema hidráulico e há um radiador dedicado exclusivamente a refrigerá-lo. “Como o volante vira muito rápido em pouco tempo, é exigido bastante em pouco tempo, esse óleo esquenta muito, por isso a refrigeração é necessária para melhorar sua eficiência”, aponta o engenheiro.

 

Apesar das inúmeras modificações, motor do caminhão da Copa Truck é “90% original”

 

 

USINA DE FORÇA

 

O caminhão de pista tem potência quase triplicada se comparado ao veículo de rua. Enquanto o Actros 2641 Estradeiro com motor OM 460 LA tem 460 cv e 234 kgfm, o veículo preparado pela AM Motorsport chega a estonteantes 1.250 cv de potência máxima e 561 kgfm de torque. É tanta força que os pilotos usam apenas as três últimas marchas do câmbio. Por isso, remove-se o câmbio original de 12 marchas e substitui-se pelo de aplicação para ônibus, manual com 6 marchas. Ou seja, esses caminhões são capazes de acelerar de zero a 100 km/h em míseros 4 segundos arrancando em 4ª marcha. “O regulamento permite que a gente use qualquer câmbio de linha da Mercedes-Benz, então pesquisamos o que melhor se adapta à competição”, explica Franz. “É um câmbio menor, que permite posicionar o motor mais para trás, para equilibrar melhor o peso entre a dianteira e a traseira”. A velocidade final varia também pela transmissão, conforme a relação do eixo diferencial para se adaptar às características de cada autódromo. No setup feito para Interlagos, que possui retas mais longas, o Actros de competição pode atingir 240 km/h.

 

Caminhões da equipe AM Motorsports pilotados por André Marques (nº77), Débora Rodrigues (nº7) e Wellington Cirino (nº6), ao lado do Mercedes-Benz Actros de sèrie

 

Apesar dos números superlativos de potência e torque, o motor MB OM 457 usado na Copa Truck é cerca de “90% original”, segundo o engenheiro da equipe AM Motorsports. Entre as modificações, ele tem o diâmetro dos cilindros ampliados de 128 mm para 132 mm, o que eleva seu deslocamento volumétrico para 12,8 litros, no limite estabelecido para o motor Mercedes-Benz no regulamento técnico. Os comandos são alterados tanto no tempo e no ângulo de admissão quanto no de exaustão, mas as válvulas são as mesmas de série. Assim como virabrequim, bronzinas e bomba de óleo. Como economia não é prioridade em competição, as válvulas injetoras de combustível são reguladas para injetar mais que o dobro de combustível do que a aplicação normal. Mas nada de mistura rica: é terminantemente proibido emitir fumaça durante a corrida, nos treinos ou nos boxes. Passível de duras punições pelos comissários de prova.

 

 

Já o turbo é originalmente de apli cação marítima. Enquanto o original tem diâmetro de saída de ar de 60 mm, o utilizado na Copa Truck tem 85 mm, ou seja 42% maior. Franz ressalta que em competição, como o motor está quase sempre em altas rotações, um turbo grande trabalha cheio e tem melhor desempenho. Mas em uso normal de rodovia, isso não aconteceria.

 

“Turbos são inversamente proporcionais. Um turbo grande é bom em altas rotações e ruim em baixas. Já um turbo pequeno é melhor em baixa e ruim em alta. Dentro dessa relação, procuramos qual é o turbo que mais se adapta ao uso”, conta o engenheiro. “O caminhão de série atinge potência máxima a 1.900 rpm.

 

 

Já o nosso de pista começa a trabalhar a 1.900 rpm e ultrapassa 3.300 rpm com potência. Uma rotação altíssima para um motor diesel como esse”, afirma. Encontrar soluções como esta faz parte da pesquisa da equipe em encontrar as melhores soluções, quase como tentativa e erro. Todo esse trabalho se reflete também na linha de montagem, já que a maioria das peças utilizadas são originais e aplicadas em veículos de rua. Franz revela que os caminhões da Copa Truck servem de laboratório para a Mercedes-Benz medir a durabilidade de componentes e as informações obtidas são usadas nos veículos “civis” pela fabricante de caminhões.

 

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